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Reflexões sobre o Hedonismo e a Morte

O hedonismo pode ser combatido com esta arma: a morte. Quando há a soberba na carne, pode-se aparecer um impuslo sexual desenfreado. Porém, a consciência, tentando se elevar, relutará. Dentro da sabedoria cristã, o prazer sexual deve ser vivido de forma ordenada no casamento, ou melhor, após o recebimento da permissão consciente e verdadeira da esposa – ou do marido – e a do próprio Deus. Dentro dessa complexa e profunda realidade, é importante lembrar que um anel é apenas uma lata sem propósito, mas uma aliança é a união de duas almas generosas que escolheram elevar uma a outra ao cume da Existência. Sempre haverá essa tensão dialética entre o "eu" pecador e o "eu" ideal, sua carne confrontrará sua consciência, haverá falseamento, isto está entranhado na pessoa humana. Existe uma parte do homem e da mulher, e essa parte deve ser fortalecida, que luta contra as inclinações ruins. Abrir-se para os prazeres da carne é abrir-se para a infelicidade. Uma vez que se adquiri o prazer todo de uma vez, abre-se mão de um prazer maior no futuro. Por isso, todo ser humano deve se colocar, constantemente, diante da morte. 

"Memento Mori" diziam os antigos, lembrar da própria morte a fim de a tê-la como régua e assim atingir o melhor de si mesmo. Ao olhar diretamente para a morte todos os dias, você poderá enxergar mais precisamente o grau de importância de cada coisa e conseguir se afastar dos excessos. Num mundo extremamente relativizado, e romantizado, como o atual, os sentimentos pessoais de cada um acabam ganhando uma importância desproporcional. A medida que os sentimentos oscilam, como as ondas do mar, a importância de cada coisa é distorcida e, em alguns casos, parcial ou totalmente perdida, assim como as areias da praia. Memento Mori era a saudação dos Eremitas Paulianos, do Apóstolo Paulo, também conhecidos como: irmãos da morte. Eles se cumprimentavam dizendo essas palavras latinas e com isso lembravam uns aos outros de que eram mortais e que deveriam tomar cuidado com suas paixões.


Muito antes do Apóstolo, e do cristianismo de maneira geral, outros pensadores discorreram sobre a temática da morte e sua importância. Em Fédon, de Platão, onde é contada a morte de Sócrates, é possível confrontar-se de maneira dura, mas educadora, com a mensagem: “nada além de estar morrendo e morrer”. Aqui, pisa-se, finalmente, no solo duro, porém seguro, da realidade. O estoicismo afirma que a morte é algo natural, não deve ser temida, mas elaborada. Ou seja, é preciso elaborar a própria morte, mas não no sentido de tirar a própria vida, mas de fazer da sua própria vida um projeto que culmina numa morte digna. Na Carta IV – Sobre os Terrores da Morte - Sêneca diz a Lucílio: “Muitos homens se apegam e agarraram-se à vida, assim como aqueles que são levados por uma correnteza e se apegam e agarram-se a pedras afiadas. A maioria dos homens mínguam e fluem em miséria entre o medo da morte e as dificuldades da vida; eles não estão dispostos a viver, e ainda não sabem como morrer." Apegar-se a vida é detestar o mundo real, é odiar a realidade. Cultivando esse ódio, muitos, tentando se segurar contra a correnteza, se apegam a coisas que parecem ser a solução, mas que na verdade fazem mais mal ainda. A maioria das pessoas, infelizmente, paralisa achando estar em movimento, se esconde através das ilusões desse mundo e negligenciam a própria vida. Por fim, se confronta com algo inescapável: a morte. Diante dela, encontra-se, obrigatoriamente, o mundo real, inseri-se, muitas vezes contra a própria vontade, na realidade. Isso – a morte - pode ser brutal ou pode ser a realização do maior projeto de uma vida, um projeto poético, porém bom, belo e verdadeiro. 


Nesse momento final, é possível lembrar da última oração do dia, as Completas, da Liturgia das Horas: “que o Senhor todo poderoso me conceda uma noite tranquila e no fim da vida uma morte santa.” Talvez seja a última chance, diante da morte, de colocarmos os sentimentos, o intelecto e os preconceitos de lado, abrindo-nos a única Esperança, em um momento último, o cume da nossa vida, e proclamármos com toda a Sabedoria como o Bom Ladrão: “recebemos o que os nossos feitos merecem […] - mas - lembra-Te de mim.”

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